segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

"Gostaria de ser eterna", disse Marília Pêra na última entrevista para QUEM


Marília Pêra esteve nas páginas de QUEM na edição 600 da publicação, que chegou às bancas em março de 2012, para uma entrevista especial. Na época, a atriz interpretava Maruschka, vilã traída pelo marido, Alberto (Herson Capri), em Aquele Beijo, novela de Miguel Falabella.
Filha dos atores Dinorah Marzullo e Manuel Pêra, Marília, hoje com 69 anos, estreou no palco aos 4. A carreira inclui dezenas de peças e trabalhos na televisão, além de personagens marcantes no cinema, como a prostituta Sueli de Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981), sucesso internacional que lhe rendeu um convite para atuar em Nova York. “Não tive coragem por causa do meu inglês”, disse.

Veja a entrevista abaixo:

QUEM: Maruschka sofre porque foi traída pelo marido. Você já foi traída?
MARÍLIA PÊRA: Todo mundo já foi traído. Tinha essa ilusão da juventude de que amigo é para sempre. Tento não machucar as pessoas. Não me lembro de ter traído amigos, não em sã consciência.

QUEM: E amores?
MP: Acho que fui leviana com amores na juventude, porque sou de uma geração que vem com a liberdade sexual. Me casei com 17 anos. Era uma menina, me separei com 18, já com filho. Então namorei, namorei, traí um pouco, namorei dois, essas coisas (risos).

QUEM: Você está com o Bruno há 15 anos. Qual é o segredo?
MP: Paciência. Tem que dar folga, deixar a pessoa ser chata e entender que você também é chata. Conviver é uma arte. De vez em quando preciso da minha solidão, sem filhos, sem marido. Há momentos em que a gente esquece um pouco do outro.

QUEM: Bruno é 20 anos mais novo do que você. A diferença de idade pesou?
MP: Não pensei nisso no começo do relacionamento. Nem imaginava que a gente fosse ficar junto tanto tempo.

QUEM: Bruno não tem filhos. Te preocupa ele querer ter filhos um dia?
MP: Ele diz que não quer, mas vai saber? Ele pode esperar eu morrer, tem tempo (risos).

QUEM: Vocês se casaram de papel passado?
MP: Fizemos reconhecimento de união estável há alguns anos. Já quis muito fazer uma festa, pedi a mão dele várias vezes, mas Bruno não quis casar na igreja, sair na capa da QUEM...

QUEM: Você foi mãe aos 18 anos. Foi difícil?
MP: Muito. Ricardo é um milagre da sobrevivência. Ele veio pequeninho porque, quando engravidei, fazia uma mocinha virgem no teatro. Usei cinta para a barriga até 15 dias antes de ele nascer. Voltei ao espetáculo amamentando. Não tinha babá, deixava Ricardo no camarim com uma colega. Fui para Portugal com ele bebê, fazia mamadeira em fogareiro a álcool.

QUEM: Nunca deixou de trabalhar?
MP: Durante a gravidez da Esperança, tive hemorragias e precisei parar por seis meses para não perdê-la. Mas sempre voltei a trabalhar, precisava.

QUEM: Gostaria de ter participado mais da vida dos filhos?
MP: Mãe sempre tem culpa. Você nunca vê numa sessão de psicanálise alguém dizer “meu avô me traumatizou”. A mãe e o pai sempre fazem errado (risos).

QUEM: Quer ter netos?
MP: Sim. E se me dessem um bebezinho para ficar comigo, eu me dedicaria muito.

QUEM: Quer viver até os 90 ou os 100?
MP: Minha mãe tem 93 anos e sempre que ela se diz cansada da vida eu falo: “A mãe do Caetano Veloso tem 104, vamos lá. Oscar Niemeyer tem 104, não apronte”. Gostaria de ser eterna, ficar no mundo descobrindo coisas novas.

QUEM: Você teve uma infância difícil. Dinheiro é uma preocupação?
MP: Dinheiro é preocupação para todo mundo. O único filme do qual participei que deu dinheiro foi Central do Brasil. No Pixote não tive nem contrato, nunca recebi nada. Quando comecei a fazer televisão junto com teatro, se tivesse o suficiente para pagar aluguel e o colégio do Ricardo, estava feliz. Gastava 30% a mais do que ganhava, trabalhava para suprir o vermelho.

QUEM: A estabilidade financeira demorou?
MP: Sim. Tive uma casa, no Joá (bairro nobre da Zona Sul do Rio), que perdi com o show A Feiticeira (1975). Era meu único bem, hipotequei a casa. Não existia isso de patrocínio, você botava o que tinha, era empréstimo no banco.

QUEM: Você foi comunista?
MP: Na minha casa não havia luta de classes. As estrelas das companhias de teatro tinham hotel melhor, a alimentação era melhor, tinham casa, minha família não tinha nada. A gente achava natural. A política era muito distante. Por acaso, substituí Marieta Severo em Roda Vida, do Chico Buarque, em 1968, em São Paulo. Duas semanas depois da estreia, fomos espancados pelo Comando de Caça aos Comunistas. Não sabia o que estava acontecendo. Aí, descobri que era comunista.

QUEM: Foi presa?
MP: Duas vezes, em São Paulo. Em 69, foram me pegar de fuzil na mão no teatro. Em 70, me denunciaram como traficante! Cercaram minha casa, Ricardo dormia, servi cafezinho, ofereci bolo, mas puseram tudo abaixo. Fui presa no carro em que tinham matado Marighella (Carlos Marighella, militante de esquerda morto em 69), um Fusquinha azul. O delegado falava: “Aí onde você está foi onde morreu o Marighella”. Era perigoso, mas era muito criativo trabalhar por uma causa que eu nem sabia bem qual era, que era ser livre.

QUEM: Em 2007, você teve diagnóstico de síndrome de pânico. Como está hoje?
MP: Quando começo a ter algum tipo de taquicardia, de desequilíbrio, penso de onde veio, qual o sinal. Sempre que vou estar em uma situação de estresse, pingo quatro gotas de florais de Bach sobre a língua e dá uma aliviada.

QUEM: Como você se cuida?
MP: Como muitos grãos, ovo de codorna. Não como carne. Eu e Bruno jantamos às 19h. Fico sem comer nada até as 7h. De manhã, em jejum, tomo um suco com couve, cenoura, gengibre, maçã, o que tiver na geladeira.

QUEM: Faz exercícios?
MP: Faço ioga, me sustentei como bailarina por muitos anos. Mantenho o peso dos 17 anos: 48 quilos. Tenho uma balança no banheiro, me peso todo dia, toda hora.

QUEM: Já fez plástica?
MP: Fiz um lifting há dez anos, hoje não tiro nem a sobrancelha. Não ponho botox e não pretendo fazer mais nada, não quero sentir dor. Fico com as rugas. Minha preocupação é decorar o texto. Quero estar bonitinha, mas não sofrer por beleza.

QUEM: De onde vem a fama de ser uma pessoa difícil?
MP: Sou muito difícil. Não dou muitas entrevistas, não aguento ser invadida o tempo todo. Preciso da minha quietude. Sou CDF, não mexo no texto do autor. Quando sinto que vou ultrapassar meus limites, vou embora. Aí, as pessoas dizem que sou diva.

QUEM: Arrepende-se de não ter seguido a carreira no exterior?
MP: Não. Arrepender-se é um verbo que não existe.

Fonte: revistaquem.globo.com/

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